Diogo Capitão: “Fugia da escola para ir ajudar o meu avô na pesca”
Nascido no Montijo, Diogo, já desde tenra idade, mostrava a sua habilidade e gosto pela arte da pesca. Com pai e avô pescador, Diogo deixou a escola muito novo para se dedicar a esta profissão. “A minha família só via redes e peixes e eu desde pequenino comecei a pensar se era a pesca ou a escola”, e Diogo optou por escolher a vida de pescador, aprendendo com os mestres que tinha em casa. Hoje aos 56 anos, é um dos poucos profissionais que ainda exerce pesca artesanal no Montijo.
Quando começou realmente nesta vida da pesca? Conte-nos um pouco do começo.
Eu nasci no Montijo, no Bairro dos Pescadores e com um ano de idade fui morar para o Samouco. Foi lá que fiz a primeira e a segunda classe, depois vim para o ciclo com dez ou onze anos e aqui fiquei em casa do meu avô. Mais tarde os meus pais também vieram morar para o Montijo e eu nessa altura comecei a fugir à escola, chumbava por faltas porque vinha para a pesca com o meu avô, para a arte do cerco. O cerco é uma arte muito antiga, e eu ainda a pratiquei, fiz-me um homem nessa arte e foi onde ganhei experiência.
Mas tive muitas brigas com o meu pai, ele não queria que eu seguisse esta vida, mas ele nunca me conseguiu tirar este vício do corpo, já estava destinado.
Nessa altura eram setenta ou oitenta pescadores, agora só há quatro ou cinco barquitos, e cerca de cinco ou seis pescadores. Vi morrer muitos deles, e com eles a pesca também foi morrendo. Passei pela altura de mandarem abater os barcos e assim morreu a pesca no Montijo, já só resto eu e mais uns quantos.
Ainda se lembra da sua primeira cana?
A minha primeira cana foi logo em miúdo, mas eu nem pescava muito à cana. O que eu queria mesmo era pescar à rede, porque era como se apanhava mais peixe. Mas lembro-me de ser muito novo e de vir para os muros com a minha cana a tentar apanhar algum peixe, ajudava os mais velhos, e assim se passavam os meus dias. Fui aprendendo.
O Diogo já era pescador na altura em que foi construída a Ponte Vasco da Gama. O que mudou desde então? Em que é que isso afetou a vida dos pescadores?
Lembro-me de alguns barcos terem sido abatidos pelos pescadores. Na altura já haviam menos pescadores, não havia pessoal novo para andar à pesca e foi ai que acabou também a arte do cerco. Essa altura foi complicada, houve uma crise de peixe, a situação das licenças também não era favorável, várias restrições, e o pessoal fugiu para terra.
Mas a meu ver, hoje, não acho que afetou só de maneira negativa, muito pelo contrário, a Ponte Vasco da Gama é um viveiro de peixes. Os pilares da ponte são um refúgio para os peixes, é onde se concentram em maior quantidade, tanto da 25 de abril como da Vasco da Gama.
Mas a pesca sempre foi o seu único meio de sustento?
Na altura da construção da ponte muitos pescadores “fugiram” do mar. Tal como eu, que durante 24 anos deixei a pesca, mas não deixei o mar, e fui trabalhar para a empresa Trafalgar. Carregava batelões e trabalhava nas gruas. Mas há oito anos repensei a minha vida, deixei o trabalho onde estava efetivo e voltei à pesca. E hoje dedico-me inteiramente à pesca artesanal.
As técnicas da pesca, de há uns anos pra cá, foram mudando, certo?
Agora é tudo muito mais modernizado. Antes as redes eram todas colocadas à mão, o que era muito desgastante fisicamente. Hoje em dia temos máquinas, os aladores, por exemplo, que nos facilitam o trabalho. Antigamente tínhamos ordem para apanhar os peixes mais pequenos, que toda a gente comia, vendia-se muito peixe miúdo. Hoje vende-se mais o peixe grande, aliás, o peixe pequeno quando se apanha devolve-se ao mar. As técnicas com as redes também mudaram, nós tentamos sempre evoluir. O ser humano está sempre a inventar coisas novas e nós temos de acompanhar também.
E em relação à poluição industrial, como é que a comunidade piscatória lida com isso ?
Atualmente acho que o Rio Tejo até está limpinho. Até porque já se encontra muito marisco aqui no Montijo, como criação de santolas e outras espécies. Antigamente não se apanhava marisco como se apanha agora. Vinha a imundice toda para o mar, o sangue das fábricas atraia as enguias, os linguados, ou seja, todos os peixes rastejantes. Apanhavam-se toneladas de enguias, e agora não se apanha nem uma, apesar de já não se praticar a pesca dessa espécie. Desde que fizeram as etar’s há menos poluição do que a que havia há alguns anos, mas em contrapartida algumas espécies também desapareceram.
Mas quais são os peixes que se apanham mais, que são maior fonte de rendimento?
Agora os peixes que se apanham mais aqui no rio são a corvina, a dourada e o robalo. Isto tem tudo o seu ciclo. Eu agora ando a praticar às douradas, mas há colegas meus que já começaram com os robalos. A grande poluição para nós pescadores são as alforrecas. As águas estão quentes e as alforrecas mantêm-se muito mais tempo, e isso acaba por prejudicar o nosso trabalho. Há certos sítios em que não conseguimos pescar, nem lançar as redes. A nossa arte tem de se adaptar às espécies, ao clima. Temos anos em que aparece aqui muito choco e outras alturas em que não aparece nem um.
O Cais dos Pescadores inaugurou em 2016, certo? Em que é que isso ajudou os pescadores?
O cais inaugurou em 2015. O cais serve para guardarmos os nossos materiais, essencialmente é um armazém. Há aqui muitas coisas a melhorar. Não temos água para encostar ao cais, o trabalho que podia fazer em duas horas, demoro seis por causa do nível da água.
Quer partilhar alguma história ou curiosidade que se tenha passado na sua vida enquanto pescador?
Tenho uma situação triste, que tenho presente na minha memória. Tive um acidente, o meu barco foi ao fundo do Tejo. Haviam muitos robalos para apanhar e estava vendaval, e nós pescadores sabemos que quando estão estes tempos é boa altura para apanhar peixe. Fui largar umas redes ao pé da Casa Branca, do mar da palha. Larguei as redes num dia e fui buscar no outro, quando lá cheguei estava a meter as redes para dentro, haviam muitos robalos, e larguei a rede de novo e o meu colega enganou-se numa fateixa, mandou-a ao mar trocada. O meu barco tem a caixa do motor baixa e entrou-me água pela poupa. Não conseguimos tirar a água e tivemos que virar o barco por cima de nós, a sorte é que tínhamos os coletes vestidos e eu tinha um telemóvel bom, que resistiu, e consegui ligar para os bombeiros. Tivemos três meses para recuperar todos os materiais. Mas nem tudo são coisas negativas, também tenho tido muitas alegrias nesta profissão.
Considera que a arte da pesca tem o devido reconhecimento e respeito ?
Já foi uma arte mais respeitada, hoje em dia já não. Houve uns quatro ou cinco anos muito complicados, mas não vamos entrar em detalhes em relação a isso.
Hoje em dia que quais são as maiores dificuldades que os pescadores enfrentam ?
O preço do combustível acho que é um ponto desfavorável. Quando vamos para o mar já vamos com uma despesa grande e nunca se sabe se vai compensar. E hoje vamos à lota, o peixe tem um valor e no outro já tem outro. É uma vida complicada.
Se pudesse, o que mudava?
Primeiro mandava alcatroar aqui o cais e mandava abrir uma carreira para termos melhor acesso aos barcos. Vai-se melhorando, pouco a pouco.
Que balanço faz da situação?
Vou ser sincero, já são 56 anos, já tenho alguns receios que não tinha em jovem. Quando somos jovens não temos medo de nada, queremos é aventuras. Quando chegamos a uma certa idade o mar começa a meter algum medo. Sinto-me sozinho, os meus antepassados já se foram todos embora e a idade leva-nos a pensar duas vezes. Mas enquanto puder cá andar, vou fazendo o meu melhor, e o que sei fazer melhor, que é pescar. Quando se forem estes barcos que estão no Cais, a pesca no Montijo também acaba, já somos poucos.