Ermida de Santo António — A Capela esquecida

É consignado nos registos das Visitas da Ordem de Santiago a autorização real, conferida por D. Sebastião, o famoso rei desaparecido no Norte de África, para a ereção deste edifício religioso. Os arquivos paroquiais elencam sepultamentos no interior da ermida desde, pelo menos, o ano de 1572, o que significará que por esta altura teríamos já um edifício finalizado, consagrado, isto é benzido e reconhecido como local apropriado para assumir em pleno todas as funções religiosas de então.

A primeira fase de reconfiguração ter-se-á desenrolado já no século XVIII, nomeadamente em 1744, quando a propriedade agrícola passou a ostentar a designação de Quinta do Casado. Contudo, tal como aconteceu a grande parte das construções com estas caraterísticas da região, o sismo de 1755 causou danos substanciais à estrutura, culminando na sua reedificação, que se deu por concluída em 1789. Por esta altura, também importa relembrar que, em consonância com outras congéneres, a Ermida de Santo António viu-se alvo de interdição e profanação litúrgica a partir de 1834, em virtude do processo de extinção das Ordens religiosas.

No decurso da segunda metade do século XIX, a Quinta do Pátio d’Água, onde se situava a ermida, alojou o serviço de Mala-posta do Alentejo até 1863, facto que instigou a readaptação do edifício sacro para funções incongruentes, redundando na degradação dos azulejos setecentistas que guarneciam o seu interior.

Entre 1940 e 1953, uma intervenção substancial teve lugar por obra do comandante Santos Fernandes. O conjunto arquitetónico da Casa da Quinta do Pátio d’Água e da Ermida de Santo António foi alvo de uma reconfiguração projetual, assinada pelo arquiteto Porfírio Pardal Monteiro (1897 – 1957), cuja génese remonta a 1919. Essas modificações abrangeram a morfologia da ermida, destacando-se a diminuição da extensão da nave, a inclusão de uma galilé de entrada e a adição de um coro-alto. Em adição, vitrais notáveis foram dispostos nas fachadas sul e principal, ostentando três janelões imponentes e uma roseta. Assim, a Ermida e a Quinta ganham traços de um palacete inserido no movimento revivalista eclético da primeira metade do século XX, sendo marcado pela influência do romantismo e neobarroco no contexto da arquitetura vernacular.

A estrutura ostenta um encanto peculiar de uma típica casa portuguesa, caracterizada por um telhado de beirais ornamentados, mansardas distintas, um alpendre convidativo e janelas adornadas com rótulas, enriquecidas por elementos de azulejos. Os azulejos que decoram a fachada da habitação seguem uma tipologia neobarroca, com formas sinuosas que emulam o estilo rocaille. Em contraste, os azulejos na igreja manifestam uma estética barroca mais evidente, com decorações de cartelas exibindo motivos vegetalistas e festões de grande elaboração formal, onde são representados símbolos alusivos a Santo António. É importante notar que a autoria dos azulejos na casa é atribuída a Leopoldo Battistini e Viriato Silva, enquanto os vitrais na ermida são concebidos por Ricardo Leone.

No ano de 2009, uma campanha arqueológica determinou a remoção do pavimento da nave da ermida, com repercussões na sua acessibilidade, culminando num afastamento da esfera de conhecimento público. Em consonância com uma diretriz de salvaguarda e valorização do notório património arquitetónico e artístico montijense, a Câmara Municipal do Montijo empreendeu, no ano de 2017, um processo de reabilitação e enriquecimento da Ermida de Santo António.

Ainda, a materialização artística, intitulada “Chão Comum”, centra-se no pavimento da ermida, recorrendo a placas cerâmicas vidradas para conceber uma superfície que ostenta variações cromáticas e densidades de branco. O entrosamento entre as tonalidades e a textura deste dispositivo artístico dialoga com os painéis de azulejos que revestem as paredes da capela. A elevação do plano do pavimento relativamente às paredes facultou a exposição de azulejos ancestrais, revelados durante escavações arqueológicas, que evocam os padrões distintivos do século XVI. A iluminação interior e outros aspetos da renovação foram meticulosamente alinhados com a intervenção artística, concorrendo para a fusão entre a herança histórica e a contemporaneidade.

Este é mais um dos mais belos exemplos que o concelho tem para oferecer no que toca a valorização do património físico e histórico, tendo em conta que seria um local recorrido pelos nossos antepassados, por variados motivos, tendo em conta a panóplia de serviços civis e religiosos que esta Ermida e a Quinta do Pátio de Água providenciaram.

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