À conversa com Maria Marques Jacinto : “Gosto de fantasiar e de me guiar pelo amor e pelo humor”

A figura popular que dá vida a Ti Maria Albertina, esteve à conversa com o On City Montijo onde contou parte do seu percurso pelos palcos, pela vida e onde nos ensina o quão importante é sonhar. “Não podemos perder a criança que há dentro de nós”

Maria, uma mulher dos palcos, uma artista completa, que já deu aulas a crianças, canta, declama e escreve os seus poemas. Por onde quer que pise, quer passar para as outras pessoas os sonhos que um dia o irmão João lhe incutiu. Irmão esse, que é o seu companheiro de palco e mestre.

Hoje aos 59 anos, Maria interpreta Ti Maria Albertina, a grande poetisa do povo, uma mulher sofrida e enganada, que emigrou para “Paris de França” em busca de vida melhor. A poetisa declama as desventuras da vida sempre com um toque de humor. No dia 26 de novembro, no Cine-Teatro Joaquim d’Almeida, Ti Maria vai sobe ao palco para mais um dos seu icónicos espetáculos “Voltei com Gosto”.

O gosto pela poesia, como surgiu?

Por volta dos sete, oito anos escrevi o meu primeiro poema, era pequeno e ingénuo. Eu ouvia o meu irmão declamar os seu poemas, e bebia tudo o que o meu irmão fazia- ele cantava, compunha desde miúdo. Então eu tive um grande mestre, imitava-lhe os jeitos e os gestos, e consegui fazer o meu primeiro poema, mas não conseguia terminar. Lembro-me de fazer durante a noite e de dizer muitas vezes par não me esquecer. No outro dia peguei num caderno, escrevi muito devagar o que tinha pensado, mas faltava sempre a parte final. Disse ao meu irmão que tinha feito um poema:

Era noite, havia silêncio

ouvia-se apenas o bater no relógio

que fazia tic tac, tic tac

a menina deitada pensava, e pensava em muita coisa

sua avó deitada a seu lado

dormia já com o coração velho e cansado

de repente bateu a meia noite e já era um novo dia

e a menina…

E disse ao meu irmão que não sabia como terminar, e então ele disse-me disse-me ‘e a menina adormeceu, dormia, dormia, dormia.’ Foi o primeiro poema da minha vida.  O lado popular foi-me transmitido por um tio que é um poeta popular, de raízes alentejanas. Ele tinha muita graça e uma grande capacidade de improviso, e brincava com as próprias desgraças. E eu peguei nessa parte e na cultura das pessoas do Montijo.

O percurso pelo mundo dos espetáculos ? Conte-nos um pouco de como se tornou a artista que é hoje.

Aos dezanove anos tive a oportunidade de integrar o elenco da telenovela Origens. Contracenei com o Rui de Carvalho, Nicolau Breyner, Isabel da Mata, entre outros atores, o que me deixou uma ligação ao teatro e às artes. E foi o meu irmão que me incentivou a ir, eu nunca pensei que fosse selecionada. Acabei por ficar e foi uma experiência pelo desconhecido muito interessante.

Aos 21 anos, fui a primeira sub chefe da Banda Sinfónica da PSP, e apesar de a minha área principal ter sido a música, se pudesse voltar atrás teria escolhido o teatro. Gosto de fantasiar, porque no fundo sinto-me a renascer, preservei esse lado que me foi dado através do meu irmão, e por volta da mesma época apareceu a Ti Maria Albertina Natividade da Purificação, num programa da Rádio Impacto do Montijo, que era a rádio local na altura. Comecei a fazer um programa que se chamava ‘As Crónicas de Bem e Mal Dizer’ da Ti Maria Albertina. Ninguém associava uma jovem de 21 anos a uma senhora de 3ª idade, e as pessoas do Montijo ficavam sempre com curiosidade em saber quem era o ‘raio da velha’. Mas tinha muitos ouvintes, até nas terras vizinhas, toda a gente ouvia a Ti Maria Albertina. Até que no último programa, ‘matei’ a personagem, apareci como Maria Marques Jacinto e dei por terminada a personagem. Em 2013, através de um espetáculo de autoria de Perpétua de Jesus, ‘Respirar poesia 1’, iniciei-me como poetisa do povo.

Maria Marques Jacinto com 19 anos. Fonte: instagram

Os espetáculos e as personagens são inspirados na sua vida pessoal?

São existências da sociedade, porque hoje os filhos estão muito dependentes dos pais e mesmo que queiram fazer frente à vida, os pais têm de os ajudar. As pessoas de idade com o pouco que têm, acabam sempre por ajudar os filhos porque a vida está muito difícil. A personagem imigrou para Paris de França para ver se ajudava toda a gente. Mas como vem com uma mão à frente e outra atrás, então fez-se lá cantadeira para ganhar uma coroas. E o Maria Albertina e todos os outros personagens são o retrato dessa realidade.

E quem é a Ti Maria Albertina? A sua essência.

A Maria Albertina é essencialmente o retrato das pessoas que provem das raízes aldeanas. Eu quando disse que tinha 85 anos desde 2015 é porque eu estou em tom de brincadeira a preservar a alma de uma aldeana. Ela foi sindicalista, empregada fabril, o marido era pescador e ela não queria que o filho Alberto seguisse as pisadas do pai, então foi trabalhar para um estaleiro naval. A Maria Albertina sempre defendeu a alma do seu povo, preservou o linguajar, as raízes.

Há semelhanças entre a Ti Maria e a Maria Jacinto?

Eu no posso parecer uma pessoa muito contida, as sou uma pessoa muito sonhadora, gosto de criar, de fantasiar. E a Maria Albertina, é uma brejeira, mas não ordinária. É uma pessoa alegre, independentemente de dizer mal à vida, dá sempre a volta por cima, sempre com alegria. E a minha maior semelhança com a maria Albertina é o amor pelas pessoas do Montijo, pelos sonhos, a própria alegria.

São vários músicos em palco. Conta com algum apoio?

A Câmara Municipal do Montijo comparticipa com uma verba para a criatividade das associações e nós como associação Onze & Tal deram-nos esse apoio para fazermos os espetáculos. A Maria Albertina faz parte da cultura do Montijo e é importante divulgar. Desta vez serão quatro músicos que estarão em palco, na guitarra o mestre Filipe Silva, no fliscorne o Luís Grenha, na tuba Caciano Cardoso e na percussão Beto Garcia. São quatro grandes profissionais que vão dar o suporte e a envolvência a esta criação, em conjunto com as vozes de Ana Castela e João Marques Jacinto, que dão vida à nora Gracinda e ao filho Alberto Jorge. Eu quero promover este espetáculo de dia 26 de novembro como um grande espetáculo, porque atrás de mim tenho grandes profissionais do mundo da música e das artes.

Os sucessos são o encontro do artista com o público, o encontro da personagem com os amigos. É o encontro da Maria Marques Jacinto com as pessoas que são da terra e que eu amo e preservo muito no meu coração.

Maria Marques Jacinto
Peça de teatro Gil Moniz, um dos espetáculos infantis que Maria Marques Jacinto fez. Fonte: CMMontijo

O seu amor pelo Montijo transborda, que significado tem para si esta terra?

Eu sou desta terra indiscutivelmente. Eu cheguei cá num dia abençoado, no dia dos pescadores. A partir daí eu sou Montijense, não posso ser outra coisa. Se me ausento, quando volto, eu tenho de passar pela Praça da República, tenho que dar uma volta pelas raízes da minha terra antes de me ir deitar. Se me ausento por algum tempo, tenho muitas saudades da minha terra.

Pretende levar a Ti Maria além Montijo?

Costumo atuar mais no Montijo e freguesias, A Maria Albertina está muito ligada a esta terra. No Gil Moniz, que foi outro espetáculo em que participei é que no apresentámos na Damaia, no teatro D. João V. Se tivesse oportunidade interpretaria uma personagem alentejana, ia por ai fora pelo país, até tenho alguns temas pensados. Acho que se surgisse essa hipótese, as pessoas iriam achar piada, Mas como tematicamente as coisas são alusivas ao povo do Montijo, o povo do Montijo é que tem de me acudir.

Como é uma senhora dos palcos. Tem alguma coisa a dizer sobre o panorama atual da cultura em Portugal ?

Da cultura em Portugal toda a gente se queixa na verdade. Mas eu ponho as coisas desta forma, eu gostaria que as pessoas tivessem mais sensibilizadas para as artes. Pela parte que me toca, a Câmara Municipal do Montijo sempre apoiou os meus espetáculos, sinto reconhecimento por parte da autarquia. Mas um país sem cultura, sem arte é um país muito pobre. E a vida perde a cor, e a arte vai dar esse colorido. A arte, a música, na verdade são onze artes, daí o nome da companhia Onze & Tal. Acho que todos devíamos acudir aqueles que fazem arte.

E para os mais jovens que querem fazer do palco parte da sua vida, algum conselho?

Eu dizia sempre às minhas crianças no final das aulas ‘sejam felizes’ e tenho um verso de uma canção minha que traduz esse conselho:

Aproveita a vida e faz uma festa

Pois não há vida, vida como esta

Agarra a esperança, baila e sorri

E deixa que o sol brilhe dentro de ti

E é isso que eu quero para as minhas crianças, para as de cá, do Montijo, para as do meu país e para as do mundo inteiro, que o sol brilhe dentro delas, porque elas são parte de nós.

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