Joaquim Carreira Tapadinhas: “Entrei no mundo da política por considerar que podia fazer algo pela minha terra [Montijo]”

Joaquim Tapadinhas carrega, em si, 85 anos de ligação com o Montijo. Tendo sido o primeiro presidente da Câmara Municipal, professor e historiador, foi também autor das obras “Nos trilhos da Pedagogia” (2008) e “Aldeia Galega no Tempo dos Descobrimentos” (2000).

Recebeu-nos, no seu meio, para nos apresentar a importância que o Montijo teve no seu caminhar e também parte de quem considera ser.

Sendo natural do Montijo, considera que desenvolveu paixão pela sua cidade?

O meu sentir, naturalmente que é pelos que estão mais perto de mim. É pela minha cidade, pela minha família, pelas pessoas que conheço e pelo meu país, mas eu sou um cidadão do mundo. O que se passa perto de mim sinto mais, mas aquilo que nos rodeia também sinto.

Às vezes vejo tanta miséria na televisão, quase que me vêm as lágrimas aos olhos. Não são só os problemas e os lados bons da minha terra que importam, é tudo importante seja em que parte do mundo for.

Sinto-me bem, dentro daquilo que é possível. E, acima de tudo, sinto-me um cidadão responsável, nas horas más e nas horas boas e essa é a maior paixão que posso ter pela minha cidade.

O que o atrai no Montijo?

O Montijo é a minha terra. Gosto de Alcochete, do Barreiro, de Setúbal e do país, mas o que me atrai mais na minha terra é o conhecer historicamente a forma como este município se desenvolveu. Se cada pessoa da sua terra se interessar na maneira como esse local se desenvolve, partilhará da mesma opinião.

Porque cada terra não é só um nome. São as casas, são as pessoas, são os grandes edifícios e as estradas. Conhecer isso é passar a ter uma noção bem maior das coisas e é quase uma obrigação nossa, mas tem de ser assumido naturalmente.

O que me atrai mais? A história da minha terra. Gosto das pessoas que fizeram desta terra alguma coisa que contribuiu para a melhoria do país e se o país estiver melhor, o mundo está melhor.

De onde desenvolveu o seu gosto particular pela História?

A História são as pessoas e ao gostarmos das pessoas, estamos a gostar da História. Não há história sem pessoas, porque tudo quanto aquilo que foi construído e faz parte da História, tem pessoas a figurarem nelas.

Podemos olhar para a grande Muralha da China ou o Aqueduto das Águas-Livres e até mesmo o Mosteiro da Batalha e contemplar esses monumentos, mas também eles foram feitos por pessoas e é isso que define a História. E claro, naturalmente que começamos e devemos começar a gostar mais daquilo que se encontra perto de nós.

Como é que o ser humano consegue se preocupar com casos como a fome na Nigéria e não atentar às necessidades do vizinho do lado? Ou fazer uma manifestação por causa de um país qualquer e não ser capaz de ajudar o que nos rodeia? Temos de nos incomodar com o que se encontra perto de nós para que esse ato se expanda e vá a qualquer parte do mundo.

Enquanto primeiro presidente da Câmara Municipal do Montijo, que acréscimo considera ter trazido para o município?

Houve uma mudança radical na relação entre as pessoas que dirigiam e os dirigidos, ou seja, entre as câmaras e os munícipes. Nós tínhamos reuniões camarárias todos os fins-de-semana e então todos os fins-de-semana deslocávamo-nos até Setúbal.

Depois, foi ver a adesão de cada pessoa. Nós aqui trabalhávamos sábados, domingos e todos os dias que fossem necessários. Há uma evolução na sociedade. Depois do 25 de abril evoluímos, mas não fomos apenas nós a evoluir.

No entanto, agora já estamos numa fase de regressão. Porquê? O poder agora começa a machucar-nos. O poder lança-nos impostos porque se apoiam no facto de serem eleitos. O que sucede é que, muitas vezes, as pessoas ambicionam o poder para se tornarem importantes. Mas depois são muitos a ambicionarem o poder e chega a uma altura que sufoca.

Começámos muito bom com o 25 de abril e eu fui um artífice também disso. Eu nunca fui mais esperto que os outros, tinha uma equipa comigo quando tomei a posse. Quando eu fui para a Câmara, os vereadores não ganhavam nada. Hoje, é profissão. E o que veio a suceder com isso? É que se passou a ter servos do partido e não servos do povo. Mas eu entrei no mundo da política por considerar que podia fazer algo pela minha terra.

Passado alguns tempos pedi a demissão de presidente da Câmara por não conseguir concordar com algumas injustiças, por exemplo a ocupação de propriedades no Montijo. Quando pedi a demissão, estávamos a passar uma fase cheia de faltas de respeito, de maneira que qualquer pessoa bem-intencionada não poderia colaborar. É tudo uma questão de princípio.

Quando se demitiu, o que considera que ficou por fazer?

Ficou tudo, ainda hoje está tudo por fazer. As coisas têm de se ir fazendo a seu tempo e as pessoas têm de tomar consciência e serem construtoras do seu próprio futuro. As pessoas têm de estar irmanadas às coisas.

Enquanto historiador, como descreve a evolução do município até atualmente? Qual a sua motivação para investir no estudo sobre o concelho?

Como fui alguém ligado ao ensino, o que escrevi foi o estudo “Nos trilhos da Pedagogia” e, ao mesmo tempo, procuro fazer a história do ensino em Aldeia Galega, em que muitas pessoas tiveram escola secundária, mesmo com poucas pessoas a terem essa oportunidade no país. Havia até cidades que não tinham.

Faço a evolução dessa parte toda porque acho interessante. Como sabe, Marquês de Pombal foi o homem que criou a escola régia, conhecida como a escola reis, como diziam os antigos ao mencionarem “eu ando na escola reis”. Porque antes, todas as escolas pertenciam às igrejas. Eram conhecidas por pertencer às paróquias e então, quando Marquês de Pombal mandou criar a escola régia, criou logo um problema. Os regentes das Câmaras tinham de dar casa e espaço para investir no ensino e o Estado, a Coroa, pagaria ao professor.

Essa foi a criação, no fim de contas, do ensino oficial e isso realmente é muito importante. Agora, não aprofundei muito mais que nessa pequena obra. Este livro, dá é a possibilidade de aprofundar muitos mais tópicos inseridos no que eu digo. O que se passou em Aldeia Galega foi o que se passou paralelamente noutras localidades. Outros estudos, alguém poderia desenvolver. Esta foi uma terra muito importante na indústria corticeira, por exemplo.

DR_ Presidente da Câmara Municipal, Nuno Canta, a condecorar Joaquim Carreira Tapadinhas com a medalha de Ouro do Concelho (2019)

“Eu tenho que ficar grato pelo reconhecimento por parte da Câmara Municipal que, há dois anos, me deu a medalha de ouro do Concelho. Eu estou desligado do Partido Socialista há tantos anos, mas, apesar de tudo, houve esse reconhecimento e sendo por unanimidade, os outros partidos concordaram todos.”

Mas é realmente muito complicado avaliar esta evolução, porque também se fizeram erros catastróficos no Montijo. Por exemplo, pôr só um sentido de trânsito na estrada nova, matou a movimentação. Por exemplo, tirar o barco do centro também tirou muitos turistas que vinham passar uma tarde ao Montijo e iam até à Praça da República, que até nessa altura tinha muitos cafés e era uma zona de muita atração.

Vejamos a Rua Direita, que perdeu o trânsito todo. O Montijo velho está morto e não é do meu interesse estar a apontar nomes, mas se já estava mal, a obrigação de quem veio a seguir era concertar. O que lamento é vermos pessoas na área sem capacidades administrativas a gerir tudo, não apenas no Montijo, mas de forma generalizada.

A política não pode sobreviver apenas de caras conhecidas, é difícil, mas está generalizado. Está no Montijo, está no país, está na Europa, mas está por todo o mundo e não apenas aqui.

Considera que o seu investimento em conhecer mais e dar a conhecer mais partiu do seu interesse pela história da Aldeia Galega?

Não diria que foi apenas pelo meu interesse na história da Aldeia Galega, mas sou um cidadão. Por consequência, ninguém pode fazer aquilo por mim. Reforço o que disse anteriormente, as pessoas é que são importantes.

Às vezes passamos por aqui e vemos que tudo isto tem milhões de anos, a vida, efémera como é, passa por nós e daqui a uns anos já ninguém se lembra que existiu um Joaquim Tapadinhas. Isto é tudo uma passagem e eu quero valorizar imenso a vida e as pessoas.

Como vê o reconhecimento do seu trabalho pelo Montijo?

Eu nunca me preocupei com isso. Fui presidente na altura, como poderia ter sido outra pessoa qualquer. É normal que as pessoas não conheçam quem foi o presidente da terra deles há quarenta anos. Isso a mim diz-me pouco. Como pessoa, sinto que fiz o que era possível e honestamente.

Que memórias carrega da sua vivência no município?

Eu tenho que ficar grato pelo reconhecimento por parte da Câmara Municipal que, há dois anos, me deu a medalha de ouro do Concelho. Eu estou desligado do Partido Socialista há tantos anos, mas, apesar de tudo, houve esse reconhecimento e sendo por unanimidade, os outros partidos concordaram todos.

Quando deixei de ser professor, na minha escola fizeram uma festa de despedida. Nunca tinha visto nenhuma festa com tanta gente. Amigos meus, que tiveram essa consideração.

E claro, tenho uma família que me faz sentir um cidadão realizado. Consegui que os meus filhos fossem realmente pessoas respeitadas e com cursos superiores. As minhas netas, da mesma forma. Sou um homem que se sente muito realizado. E eu, que tive de estudar à minha conta, sinto que sou quase uma árvore que estendeu as raízes para ir à procura do seu espaço para se alimentar. E consegui.

Qual o seu edifício ou monumento do município favorito?

O edifício mais antigo e que realmente representa alguma coisa, porque representa o poder e tem algum volume é o atual Paços do Concelho. Nós, Aldeia Galega, pertencíamos ao distrito de Lisboa nessa altura e éramos o segundo concelho mais importante, tendo como primeiro Sintra. Aquele edifício era tudo. Era tribunal, era cadeia, repartição de finanças e isso tem um grande peso histórico. Depois foi escola secundária e foi adaptada depois a ser só Câmara. É o que me diz mais historicamente.

Que perspetivas tem para o futuro?

O que eu penso é que todo este tipo de sociedade tem de se remodelar. Como é que podemos estar indiferentes a que haja tanta discrepância na sociedade?

O grande problema que se vive hoje é que ninguém percebe que não está sozinho no mundo. Estamos todos ligados e às vezes nem nos apercebemos disso. O nosso futuro é o futuro dos outros. Está tudo em cadeia com o que nos rodeia. Estamos em constante mudança, estamos sempre a correr.

O meu desejo? É que possamos ser menos individualistas.

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