Relatos de uma família italiana que fez do Montijo a sua casa

Na multiculturalidade que povoa o Montijo, encontrámos Gio e Vale, um casal italiano que faz desta cidade a sua casa há relativamente pouco tempo. De forma a inserirem a comunidade italiana neste país que tanto amam, criaram um blog “Il Nostro Portogallo”, onde relatam as suas aventuras pelo país e os sítios mais marcantes por onde passam com os seus filhos.
O Montijo On City conversou com esta família que nos relatou um bocadinho mais sobre a aventura que tem sido viver em Portugal e a escolha da cidade para ser a sua casa. Respostas estas que pode encontrar na entrevista que se segue.
Quem são o Gio e a Vale?
Somos uma família italiana que vive em Portugal há 5 anos. Temos três filhos, o mais velho tem 10 anos, depois temos uma criança com 7 anos e o mais novo tem 5 anos. Eu sou a Valentina e sou arquiteta, trabalho por conta própria. Trabalhei alguns anos em Vila Franca de Xira, onde morámos até ao ano passado. Durante a pandemia, o meu escritório fechou e continuei enquanto trabalhadora independente. O meu marido Gioele é informático e trabalha para uma grande empresa.
Mudámo-nos de Vila Franca de Xira para o Montijo no Verão. Passado alguns anos de viver cá, sentimos a necessidade de comprar casa e considerámos o Montijo uma excelente opção. Para os lados de Lisboa, as casas são muito mais caras, mas também a própria morfologia do território é diferente. Tudo ficava longe e os caminhos eram entre colinas. Com três crianças não se tornava nada fácil, era até um pouco desconfortável. Percebemos que nada nos prendia a Vila Franca e decidimos procurar casa noutra cidade.

O Montijo é, sem dúvida, uma localização fantástica. Está perto de Lisboa, perto do Alentejo e perto das praias principais. Para nós, que somos uma família de cinco, encontrámos soluções incríveis para fazer vida, mas também para entreter os miúdos. Encontrámos uma cidade que nos oferece muita visão de vida e estabilidade. Esta foi uma das coisas que mais nos apaixonou em Portugal, o facto de existir um trabalho constante feito nas cidades.
Essa progressividade e estabilidade que Portugal oferece é diferente da oferecida em Itália?
Muito diferente. Nós somos do sul da Itália e há pequenos investimentos que levam anos e anos para ser feitos, muito mais do que em Portugal. Há mais de 100 anos que estão a pensar em projetar uma ponte para Sicília que percorreria apenas três quilómetros. Aqui, a ponte Vasco da Gama percorre 18 quilómetros e foi feita em três anos. É uma realidade completamente diferente.
Depois, o povo português é muito tranquilo e isso foi, sem dúvida, um dos fatores que mais nos atraiu. A cultura italiana é muito conhecida no resto do mundo pela vivacidade e pela forma como acolhemos, mas viver lá é completamente diferente.

“No ensino português vemos que os nossos filhos têm muitas possibilidades de se desenvolverem.”
Outro aspeto que destacamos é o ensino em Portugal. Não pela exigência, mas pela tranquilidade. Aqui, os estudantes são mais felizes. Lá, nós víamos os nossos filhos ficarem sempre nervosos e stressados quando iam para as aulas. Já no infantário, eles eram obrigados a usar livros porque tinham a obrigação de aprender a escrever e não tinham tempo para aprender a viver e a brincar. Já nos basta termos de viver num mundo com stress e ansiedade, com tarefas intermináveis e que nos baste. Parecia que nos faltava alguma coisa.
Esta escola no Montijo é uma excelente escola. Vemos o cuidado na próxima geração porque Portugal tem essa visão de futuro, algo que Itália não tinha.
Em Itália, com o governo Monti, disseram-nos que dos trinta anos para a frente éramos considerados uma geração perdida e que não havia nada para nós de oportunidades. Éramos pessoas com estudos a mais, quase todos com licenciatura, mas sem trabalho para oferecer a todos. Precisavam mais de artesãos e agricultores, não arquitetos e advogados. Aqui, até mesmo o cuidado e a oportunidade de vida é diferente.
O que vos levou a sair de Itália e vir para Portugal?
Foi praticamente um “por acaso” conseguido por uma proposta de trabalho. Eu (Valentina), já tinha conhecido Portugal em 2009 por um projeto em conjunto com a Faculdade de Arquitetura. Na altura, quando me falaram em vir para Lisboa, ainda refilei que queria ir para Espanha, mas assim que cá cheguei, apaixonei-me completamente e Portugal ficou no meu coração. Voltei para a Itália, casei, tive filhos, mas o meu coração ficou cá.

Também eu (Gio) tive oportunidade de vir em trabalho e conhecer um pouco de tudo em Portugal. Viajamos em família com muita frequência e temos o nosso Blog para mostrar a nossa visão do país. Comecei a fazer viagens pelo país e, a cada um desses passeios, apaixonava-me cada vez mais por este lugar. Vi cidades lindas como Santarém, Tomar, Alcobaça, Batalha, Óbidos, Évora, Palmela, Setúbal e todas as praias de Sesimbra, são fantásticas.
O que vos levou a optar pelo Montijo para viver?
A morfologia do território e o facto de ser uma cidade em constante evolução. Os preços das casas eram mais acessíveis e justos para nós. O preço que damos por algo deve ser proporcional às capacidades de cada um e encontrámos essa possibilidade aqui. Estamos num bairro residencial com muitas famílias, perto de uma escola ótima e com um clima fantástico.
A localização da cidade é muito estratégica também. Um dia que o Gio tenha de voltar a trabalhar em Lisboa, pode fazer o caminho de carro, de barco, de comboio e até de autocarro. Também no período das férias é mais fácil irmos para as praias e é uma cidade menos poluída e muito cuidada.
Há muitos italianos que vêm para Portugal à procura de uma vida melhor e encontram no Montijo a capacidade de o fazer. Não é só pelos preços, mas por considerarmos que comprando uma casa hoje, daqui a poucos anos, caso tivéssemos que voltar para a Itália, revenderíamos o nosso apartamento por muito mais. Existe essa progressão. Depois, o Montijo traz a calma e a tranquilidade, não é uma Lisboa caótica e cheia de movimento.
Isso, para nós, é ótimo porque vamos educar e ver os nossos filhos a crescer numa cidade com tudo o que precisam para se desenvolver, mas com tranquilidade e calma, sem a poluição da capital. Estamos aqui há 5 meses e colocámos as crianças no futebol, no karaté e nessas atividades extracurriculares e já sentimos que somos esta grande família uns com os outros.
Os portugueses do Montijo são muito abertos e acolhedores. Talvez porque existe população mais jovem. E há ainda outro aspeto crucial que destaco que é a qualidade de vida e a articulação entre todos os serviços como fundamental. Temos os serviços essenciais todos garantidos, desde a administração, saúde, serviços de comércio.
Existe algum aspeto que mudariam no Montijo?
A única diferença que encontramos e da qual sentimos falta está nas atividades culturais que são dinamizadas na cidade. Em Vila Franca, mesmo sendo uma vila menor, havia muitas mais atividades. Existia uma Biblioteca que dinamizava constantemente cinema grátis para as crianças, havia jam sessions todas as sextas-feiras com a participação especial do público. Este tipo de estrutura cultural ainda não encontrámos aqui no Montijo.
Durante as férias, Vila Franca ia propondo atividades gratuitas para entreter as crianças e este cuidado ainda não encontrámos. A vila pequena e o jardim perto do rio era algo que também nos agradava imenso e todas esses detalhes são traços culturais que espero que tragam ainda para o Montijo. Gostava muito de ver a zona ribeirinha mais dinamizada, merece muito. Na cidade, há muita coisa que podemos fazer. O Centro Histórico tem o seu encanto e se recuperassem as lojas e as casas mais antigas da Baixa, ganharia outra vida.
Qual é o vosso lugar predileto na cidade que vos faz relembrar Itália?
Há um sítio predileto aqui no Montijo que é uma gelataria italiana. Abriu há pouco tempo. O nome é Gaya Gelato, é maravilhoso. Eles trazem os sabores artesanais de Itália até nós. Têm o panettone artesanal da Sicília e até mesmo a Granita. Tudo isso é ótimo. Foi uma maravilha entrar lá e sentir-me em casa. A granita é algo tão típico da Sicília e em Portugal não tinha encontrado nada que se comparasse. Quando experimentámos na Gaya, ficámos deliciados porque era idêntico ao que se comia na minha vila.

O que acham da gastronomia portuguesa?
Nós adoramos. É muito diferente e é muito em conta. Se não fosse pelo coentro, seria ainda melhor (dizem entre risos). Coentro é algo que não conseguimos digerir, lá ninguém gosta. Quase que podíamos escrever um livro com as nossas histórias enquanto italianos em Portugal. Mas a cozinha portuguesa é deliciosa, até aprendi a fazer alguns pratos típicos.
Toda a gastronomia portuguesa tem muitos elementos que lhes dão um sabor enorme. No entanto, nós italianos comemos muito com os olhos e com o cheiro também. O cozido à portuguesa, que é algo ótimo, é muito esquisito para os italianos. Isso é sempre um desafio.
As coisas são ótimas e com um preço muito acessível, mas os italianos têm de ter a coragem de, às vezes, aventurar-se e experimentar algo novo. Algo que deslumbra mais a nossa comunidade ao chegar a Portugal é ver restaurantes completamente cheios durante a semana aos almoços. É uma realidade que não temos em Itália, mas aqui torna-se tão normal. Todos consideramos que, se podemos, é melhor tomar uma refeição rodeado de tantas pessoas do que ficar em casa sozinho. Este é o pensamento que faz a diferença.
O que vos motivou a começar o blog Il Nostro Portugallo?
Nós sentíamos que os grupos de Italianos por Portugal nas redes sociais apresentavam sempre mais do mesmo a nível turístico e as sugestões que davam de locais a visitar e atividades a fazer eram impensáveis para famílias. Há muitas famílias de italianos que, como nós, chegaram há relativamente pouco tempo e só o conseguiram porque foram enviadas por grandes empresas que cobriam as despesas todas. Mas a tipologia de famílias que estão a vir para Portugal mudou e nem todos têm os mesmos recursos financeiros. Nem todos moram em Oeiras ou Cascais, mas esta é informação que transmitem aos italianos. É, no entanto, uma informação muito fora do patamar de vida das pessoas.
Por isso, decidimos iniciar o nosso blog quando fiquei desempregada. Queríamos mostrar aos italianos que vivem em Portugal o melhor do país. Começámos a criar o nosso blog para mostrar que não existe só aquela parte de Portugal que é tão publicitada. Muitas agências que fazem publicidade apenas divulgam atividades caras e, por sua vez, muito fora do alcance para famílias. Mas não podemos ficar em casa fechados sempre, temos de arranjar atividades viáveis para fazer com as crianças.
Começámos a mostrar no Nosso Portugal, daí o nome do blog. Podem existir muitos outros modos de viver o país, mas quisemos mostrar o nosso, enquanto família com três crianças e dois ordenados normais. Começámos a aconselhar alguns passeios a fazer, paisagens a ver e trilhos perto do rio Tejo, todas as atividades e exposições, museus de graça que Portugal oferece.
Depois, mostrávamos também as nossas viagens. Nós percorremos on the road o caminho de Vila Franca até ao Porto o ano passado e levámos 4 dias a parar em vários locais para conhecer. Vimos Alcobaça, Batalha, Coimbra e fomos conhecendo um pouco das atividades que nos ofereciam. Foi uma viagem feita com pouco dinheiro, mas que sabíamos que tínhamos de fazer. Nós gostamos de viver de férias porque temos esta mentalidade de percorrer o país de carro e ir à aventura com o pouco que temos. Só nos temos a nós aqui em Portugal, sem família ou os amigos mais próximos. Quando tivemos de ficar em casa pela pandemia, não foi fácil.
Não obstante, conseguimos aproveitar, quando tínhamos oportunidade, para ir passear o máximo que conseguimos e encontrámos no blog a nossa oportunidade de partilhar com outros os nossos passeios. Nós podemos dar uma visão diferente a quem se sente preso em Portugal sem nada para fazer por considerar que tudo requer uma grande despesa.

Consideramos que a vida tem de ser enfrentada com gratidão no coração e com o desejo de compartilhar beleza e vemos essa beleza num parque enquanto contemplamos as árvores todas cuidadas.
Dá para aproveitar bem o país e não precisa de ser com muito dinheiro. Por isso começámos este blog o ano passado, em 2020. Vimos no tempo de distanciamento e de pandemia, mesmo com todas as regras, uma oportunidade de mostrar que dá para passar com tranquilidade uma tarde num local encantador no país.
Há muito feedback da parte dos vossos leitores?
Sim, apesar de ser um blog muito recente porque tem um ano e pouco de existência. No entanto, as pessoas gostam e perguntam-nos mais informações. Na última pandemia, procurámos também traduzir as medidas de confinamento em italiano porque existem muitas palavras iguais ao português, mas com um significado completamente diferente.
Gostamos não só de mostrar o lado bonito do país, mas também facilitar a compreensão dos italianos que queiram fazer de Portugal a sua casa. Lá é muito difícil, para não dizer impossível, aceder a um crédito para comprar casa ou carro. Aqui, com um pouco de trabalho consegues aceder a esse crédito para comprar um carro novo e uma casa. Estamos a dar uma vida digna a nós e aos nossos filhos.
Decidimos vir de Itália para Portugal com três filhos, o que não foi nada fácil, porque tínhamos esse desejo de procurar uma vida mais digna. Queríamos procurar o nosso lugar no mundo, sabendo que lugar perfeito não existe, mas encontrámos em Portugal esse lugar que mais gostamos. Nada acontece por acaso e temos de saber aproveitar os pequenos momentos que nos oferecem. Quando vim a Portugal em 2009 com tudo pago pela faculdade, nunca sonhei que viria a viver cá um dia, mas aconteceu.
Portugal é um país que dá essa oportunidade de viver com dignidade e o Montijo, enquanto nossa casa, é uma ótima terra para as famílias.
Mais informação:
Podem aceder ao blog da família italiana através de https://ilnostroportogallo.wpcomstaging.com/