Comandante Pedro Ferreira: “Eu queria colocar os Bombeiros do Montijo com o destaque que eles realmente merecem”

Na última parte da entrevista, Pedro Ferreira recorda as missões de salvamento que o marcaram e desabafa sobre o tempo que teve de abdicar em família.

Os 45 anos que Pedro Ferreira dedicou aos bombeiros foram marcados por missões de salvamento com finais felizes e outros nem tanto. Nesta segunda parte da entrevista ao Montijo On City, o comandante conta como a família foi o pilar do seu percurso, apesar de, muitas vezes, ter ficado em segundo plano.

Quantos profissionais e voluntários existem no corpo dos Bombeiros do Montijo?

Temos cerca de 50 profissionais num universo de 150 no total. Os restantes 100 elementos, são voluntários.

Como é que é feita essa gestão e organização?

As pessoas podem inscrever-se com 18 anos. Em seguida, vão para um curso de formação de, aproximadamente, seis meses, fazem os exames distritais e, se passarem, entram na carreira de bombeiro, começando pelo posto mais baixo. Têm avaliações anuais e, se tiverem “Muito Bom” durante três anos, podem concorrer ao posto imediato. Se só tiverem “Bom”, demora cerca de cinco anos.

Ao fim de cinco anos podem concorrer ao posto imediato e depois vão a concurso novamente, a formações e vão subindo na sua carreira, até chegarem ao posto de chefe.

Agora temos algo que me incomoda muito. Estou a referir-me aos Oficiais de Bombeiros. Imaginemos que uma pessoa licenciada numa área qualquer decide que quer vir para os bombeiros. Eu sou chefe, com 36 anos de carreira, e a pessoa que chega é apenas licenciada noutra área, mas, no final da formação, recorre ao cargo de Oficial de Bombeiro. Essa pessoa fica a mandar em mim, por exemplo, que tenho 36 anos de carreira, independentemente da área em que é licenciada.

Até podiam ser licenciados em teatro, o importante é ter o canudo. Acho que a ideia está bem estruturada, mas está mal aplicada. Uma pessoa não pode vir de fora, sem perceber nada do trabalho de um Bombeiro e vir mandar no quartel. Vir para o quartel sem experiência para mandar em pessoal que conta já com trinta anos de carreira, só porque tem licenciatura, não é admissível. É meio caminho andado para andar tudo perdido.

Mas até aos 45 anos qualquer pessoa pode candidatar-se a bombeiro. A partir dos 45 anos pode entrar também, não consegue é fazer carreira e entra apenas como especialista. Nós podemos ficar nos bombeiros até aos 65 anos. Para mim, é outra coisa inimaginável. Uma pessoa com 45 anos não é inválida.

“A imagem dos bombeiros precisa de ser modificada”

Qual a faixa etária que concorre mais para fazer carreira nos bombeiros?

Antigamente, eram faixas etárias muito baixas, falávamos dos 14/15/16 anos. Agora, impressionantemente, temos muita gente na casa dos 25 anos para cima. Eu penso que isto também está relacionado com o facto do mercado de trabalho não estar muito bom e as pessoas tentarem esta vertente profissional também. Nós temos pessoal a partir dos 19/20 anos para cima, não temos ninguém connosco mais novo do que isso. Até neste curso que está a concorrer, temos uma enfermeira, de 22 anos, licenciada, a ter formação connosco.

Os bombeiros não imaginam a força que têm a nível nacional. Há alguns anos, eu fui um dos impulsionadores das famosas manifestações na Praça do Comércio. Vocês não imaginam as ameaças e os comentários negativos que recebi. Nós queríamos apenas manifestarmo-nos contra a falta de condições dos bombeiros.

Não percebo porque é que não estamos num sistema de saúde próprio. Não temos nada, somente o Sistema Nacional de Saúde. E era isto que eu defendia para os bombeiros. Que pudéssemos ser acompanhados de outra forma. Mesmo os apoios da Liga dos Bombeiros Portugueses não são suficientes. Os equipamentos de proteção individual para os incêndios são completamente diferentes dos que a GNR tem. A qualidade é diferente, mas porquê? Nós somos os primeiros a chegar lá.

Eu quero ajudar a população e ter meios para a ajudar, mas não existem. Têm de ser os sócios a ajudar e, principalmente, a Câmara do Montijo. Tem sido um parceiro excelente. E, independentemente se o Presidente da Câmara fica no cargo, a pessoa que vai para a Câmara tem de continuar a ajudar os bombeiros como este Presidente ajuda.

Quantos sócios têm?

Perto de 3.000 sócios, num universo de 60.000 habitantes. E são pessoas antigas na cidade porque grande parte da população do Montijo não nasceu cá. Trabalha em Lisboa e vem morar aqui. E isto faz com que as pessoas não sintam um vínculo com os bombeiros de cá e não se tornem sócias.

Como é que poderia existir uma maior consciencialização do papel dos bombeiros na sociedade?

Parte dos próprios bombeiros e da Liga de Bombeiros Portugueses que, neste momento, não faz grande coisa para mudar a imagem dos bombeiros. Fazem as federações e temos a Federação de Setúbal que apoia muito os bombeiros, mas não é suficiente. Deveria de existir mais informação para a população sobre o que são os bombeiros e que trabalho desempenham. E não há.

A imagem dos bombeiros precisa de ser modificada. Precisávamos de ter umas campanhas de marketing como teve o INEM há uns anos ou como está a ter a GNR. Ainda nos veem muito como bombeiros iletrados, mulherengos e bêbedos. Aos poucos estamos a conseguir mudar esta imagem, mas não é suficiente.

E os bombeiros querem mudar isto. A começar pela própria farda. Fazemos questão de estar bem fardados para que as pessoas nos reconheçam automaticamente. Temos de passar uma boa imagem lá para fora e eu exijo sempre isso aos meus homens.

Ator João de Carvalho nas instalações do Montijo_DR

Qual o momento que ficou marcado no seu percurso nos bombeiros?

Eu não gosto muito de falar das situações más. Já fiz dezenas, centenas de socorro, mas houve um caso que me marcou. Foi no Barreiro. Eu era o Comandante das Operações à época e salvámos um bebé de meses que estava no berço em chamas. A fralda já estava chamuscada, mas nós chegámos a tempo.

Mas o que me marcou não foi isso. Foi o facto de, passado uns meses, uma pessoa ter vindo ao meu encontro e ter dito «Obrigado! Lembra-se de ter salvo um bebé das chamas? Obrigado!». A pessoa foi embora e, até hoje, não sei quem era. Mas “obrigado” é uma palavra que não ouvimos muito.

Também não estamos aqui para que nos agradeçam. Estamos aqui a fazer o nosso trabalho, mas sabe sempre bem porque não é uma coisa muito recorrente. Reconhecer o trabalho de alguém, enche-nos o ego. Porque nós estudámos para isto e sacrificamo-nos para que corra tudo bem.

A 7 de maio, quando tomei posse, a minha mulher disse-me «Então, até depois do verão!». O meu filho tem 19 anos e a semana passada foi a única vez que passei férias com ele. Porque o meu verão sempre foi dedicado aos bombeiros e aos incêndios florestais. Apesar de não ter trabalhado diretamente nos bombeiros, também dava formação durante o verão sobre estes temas. Passava semanas no Gerês ou em Leiria.

“Pus a família de parte e dediquei-me aos bombeiros. Foi um erro que eu cometi”

Como se faz esta gestão entre a família e a sua profissão?

A família é muito importante nos bombeiros. A nossa família é o nosso principal pilar. Poucas pessoas aceitam o que nós fazemos. As pessoas reconhecem, mas se tivessem alguém bombeiro ficavam de pé atrás. Estamos a falar de homens e mulheres que deixam os companheiros e os filhos em casa para vir prestar serviço à população.

Às vezes, os meus homens dizem-me «Oh comandante, o meu filho está doente». Nem há conversa. Digo-lhes logo para irem para casa. O que eu digo aos estagiários que estão a iniciar aqui o seu percurso é «Não façam como eu fiz. Pus a família de parte e dediquei-me aos bombeiros. Foi um erro que eu cometi».

Agora reconheço, mas já é tarde. Nunca podemos tirar da nossa família para dar aos outros porque ninguém reconhece. E, quando tudo falha, a família está lá. Pode acontecer-nos muita coisa neste mundo e, se tudo falhar, sabemos bem quem lá está.

Devido ao tempo que passam dentro do quartel e com os colegas de trabalho, acabam por criar aqui outra família.

Nós podemos andar aqui à chapada uns com os outros, mas quando é para ajudar estamos lá todos. Seja no Montijo ou em Alcochete, nós estamos lá.

Não sei se ouviram falar de um caso que foi noticiado a nível nacional de um indivíduo que estava na Bélgica e quis vir morrer a Portugal, mas pediam-lhe 10.000€. Então, foi uma equipa de bombeiros buscá-lo e trazê-lo para o seu país. Eu fui um dos que se ofereceu para fazer essa viagem.

O senhor era familiar de um bombeiro do meu quartel. Um dia, ele desabafou comigo porque tinha um primo na Bélgica com cancro terminal que queria vir passar os seus últimos dias a Portugal. Disse logo «Então e porque é que não o vamos buscar? Pegamos num carro e vamos». Quando o almoço terminou, ele foi ter com outros bombeiros que lhe disseram o mesmo «Vamos lá buscá-lo». Ligámos ao Presidente da Direção e falámos com o Comandante que nos disse que podíamos levar a ambulância nova. Falámos nisto à hora de almoço e as 21h já estávamos a arrancar para a Bélgica com um enfermeiro ao serviço e tudo.

Nós saímos sem ninguém saber. Só quando estávamos a atravessar Paris é que começámos a receber telefonemas para vermos o telejornal porque já estávamos em todo o lado. Juntámos três bombeiros e um enfermeiro e fomos. Isto é nossa maneira de ser. Se é para ir, vamos logo. Se ajudamos os outros, é óbvio que também ajudamos os da casa.

Eu vou daqui para o Porto e, se for visitar certos quarteis e os restantes souberem, chamam-me tudo e mais alguma coisa. Esta ligação é universal. Nos Estados Unidos entrei num corpo de bombeiros em Nova York e, quando disse que era bombeiro em Portugal, parecia que nos conhecíamos desde sempre.

O que gostava de alcançar para os Bombeiros do Montijo?

Eu queria colocar os Bombeiros do Montijo com o destaque que eles realmente merecem. Nós temos um potencial muito grande. Quero que este corpo de bombeiros volte a ser uma referência para o distrito, em termos de organização e apoio à população. É isso que quero continuar a dar à população que servimos. Não só ao Montijo, mas a toda a população que precise. Nós estamos aqui é para servir os portugueses. Parece uma frase feita, mas é isto mesmo que nós somos.

Leia a primeira parte da entrevista

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