Luís Rouxinol: “Os meus amigos iam todos passear e divertir-se nas discotecas do Montijo e eu tinha de abdicar porque tinha corridas”

A figura incontornável da tauromaquia portuguesa esteve à conversa com o Montijo On City para reviver os momentos mais marcantes da sua carreira.

A determinação no olhar salta à vista de qualquer pessoa que tenha “dois dedos de conversa” com Luís Rouxinol. Nasceu no Montijo a 8 de agosto de 1968 e, desde cedo, que entregou o coração à tauromaquia com um objetivo muito claro: singrar como cavaleiro tauromáquico. Os 34 anos de alternativa que celebra são prova de que o esforço e empenho que dedicou à profissão compensaram. Contudo, o sucesso não vem sozinho e, ao Montijo On City , Luís Rouxinol conta os momentos que teve de abdicar em jovem e, ainda hoje, em família para brilhar numa arena. O montijense reflete também sobre os primeiros passos enquanto toureiro e explica como as corridas à portuguesa são um “espetáculo muito mais bonito” do que as espanholas.

O Luís é um dos maiores cavaleiros tauromáquicos de sempre da História da Tauromaquia em Portugal. O que sente quando lhe dizem isto?

Sinto, sem dúvida, muito orgulho de andar já cá há 34 anos como cavaleiro alternativo e os últimos 10 anos tenho sido sempre o líder do escalafón, tenho sido sempre o toureiro que tem toureado mais corridas. É, sem dúvida, um grande orgulho. Abdiquei de algumas coisas para chegar aqui. Nos meus tempos de jovem, tinha de deixar de fazer certas coisas para treinar. Mas tudo isto tem compensado.

O culpado de toda esta história é o seu pai, Alfredo Vicente, porque também ele tinha o sonho de ser cavaleiro tauromáquico e o Luís acompanhava-o nas garraiadas em que ele participava, não é?

É verdade. O meu pai foi cavaleiro amador e sempre tive cavalos em casa. Comecei a acompanhá-lo nos espetáculos que ele fazia e, a partir daí, começou a desenvolver-se o bichinho pelos touros e nasceu uma vontade de ser cavaleiro.

O toureiro em criança_DR

O que é que sentia ao certo quando via o seu pai a tourear?

Gostava de ver. Como disse, sempre tive cavalos e era muito ligado a eles. Comecei a montar logo em pequenino, aos 5 anos de idade. Como o acompanhava, acabava por fazer as cortesias no início. Depois estreei-me em Paio Pires e foi logo o primeiro passo para começar com este vício dos cavalos e dos touros.

A sua apresentação ao público em Paio Pires foi em 1977. Qual foi a sensação de entrar, pela primeira vez, numa arena?

A praça devia ter duas mil pessoas. Foi uma sensação única estar a entrar e ser aplaudido. E em 1979 foi a primeira vez que toureei um novilho, no Campo Pequeno, nas garraiadas do Gil Vicente.

Nunca tinha feito a pega com um touro. Como é que foi?

Na altura, o novilho já tinha 410 kg. Lembro-me perfeitamente de quando o meu pai soube o peso do animal e não queria que eu toureasse porque era grande demais para a minha experiência. Um amigo nosso é que o convenceu. «Oh Alfredo, deixa-la o miúdo tourear que as coisas hão de correr bem». Graças a Deus correram! Nessa corrida existia um prémio para a melhor lide e eu ganhei esse prémio. Foi mesmo sorte de principiante. Depois quis mostrar o prémio aos miúdos da escola, fizemos uma pequena festa.

Luís Rouxinol em Paio Pires, com 11 anos_DR

Não teve medo quando viu o animal?

Eu tinha só onze anos e com aquela idade não temos bem a noção do que pode acontecer.

A sua família não tinha receio de ver um rapaz tão pequeno enfrentar um animal como o touro?

Como o meu pai sempre foi ligado aos cavalos e às corridas já estava mais habituado, mas a minha mãe era diferente. As mães têm sempre mais receio. Mas nunca deixou de me apoiar ao longo da carreira.

Era um sonho de criança?

Desde a primeira vez que toureei em Paio Pires tive logo o sonho de ser cavaleiro. Tive a aprender a montar no Centro Equestre Luís Valença. Porque não é só saber tourear, nesta profissão temos de saber como se coloca em cima dos cavalos. Mais tarde, estive na Torrinha em casa do Mestre David Ribeiro Telles também a aprender muito sobre cavalos e tauromaquia. Um grande mestre que infelizmente já não está entre nós. Tudo o que sei aprendi nesta casa.

“(…) antes da corrida era suposto estar bastante nervoso, mas não estava. “

Dia 10 de junho de 1987 tirou a sua alternativa na Monumental “Celestino Graça”, em Santarém. Estavam presentes treze mil pessoas. Com recorda este dia?

Primeiro, fiz a minha prova de Cavaleiro Praticante, em 1986, na Moita. Depois, surgiu a oportunidade de tirar a alternativa e é o dia que qualquer cavaleiro sonha porque é assim que nos tornamos cavaleiros profissionais. Ainda para mais, foi na corrida da Rádio Renascença que era a mais importante no panorama nacional. Treze mil pessoas juntas num ambiente único.

O João Moura foi o meu padrinho, o [Joaquim] Bastinhas e o [Rui] Salvador foram as minhas testemunhas de alternativa e, nessa tarde, também conquistei o prémio para a melhor lide de cavaleiro. Uma coisa impensável! Penso que, antes da corrida, era suposto estar bastante nervoso, mas não estava. Consegui abster-me de tudo o que estava à minha volta e as coisas correram como ninguém estava à espera. Foi um dia que ficou, sem dúvida, na minha memória.

Luís Rouxinol, no dia da alternativa, a segurar o prémio “Maçaroca de Ouro”_DR

Por que motivo diz que ninguém estava à espera?

Foi uma prova brilhante. Para alcançarmos a alternativa temos de ter muita qualidade e eu tinha muitas corridas já feitas, tanto em Portugal como em Espanha. Estava minimamente preparado e as coisas correram bem. Mas podiam não ter corrido porque não depende só de nós. Depende também do touro, ele também tem de ajudar. Por acaso, naquele dia saiu-me um bom touro e eu consegui aproveitá-lo.

Também é preciso ter sorte porque nunca sabe o que lhe vai calhar do outro lado.

Claro que sim. Nós costumamos dizer: «Os touros são como melões, só depois de abertos é que sabemos a sua qualidade». Um touro pode ser muito bonito na hora do sorteio, antes da corrida, e depois ser mais apagado. É preciso sorte.

Como foi o período em que toureou em Espanha?

Tinha 14 anos quando comecei a ir para Espanha. Fiz lá três ou quatro temporadas. Foi uma grande aprendizagem e deu-me traquejo para chegar a Portugal e agarrar as poucas oportunidades que existiam cá.

“Gosto muito mais da corrida à portuguesa. É um espetáculo muito mais bonito”

O ambiente das touradas espanholas é diferente?

Sim, as pessoas vivem a tauromaquia de forma diferente. Os toureiros e as tradições são diferentes. Lá tem de se matar o touro no final da corrida. Em Portugal não é assim. Gosto muito mais da corrida à portuguesa. É um espetáculo muito mais bonito. Para além de não matarmos o touro, temos os forcados que fazem um grande espetáculo e dão muito à tauromaquia.

Três anos depois de ter conquistado a alternativa surge na sua vida uma figura que lhe diz muito, Mário Freire. Para além de orientador e agente, o que é que o Mário significava para si?

O Mário foi um grande impulsionador da minha carreira. Foi alguém que me apareceu numa fase em que não existiam muitas oportunidades. Apesar de ter corrido tudo bem no dia da alternativa, as oportunidades não surgiram como estava à espera. Existiam quatro ou cinco figuras muito importantes que faziam corridas boas e, quando apareci e comecei a “apertar” com os que cá estavam, tentaram parar-me um bocado. Eu queria correr e não me deixavam singrar. Chegaram a tirar-me de certos quartéis por isso mesmo. Não queriam que eu vingasse. Não foi fácil.

E o Mário era um excelente profissional que já tinha sido bandalheiro, então sabia muito sobre o cavaleiro, o touro e o cavalo. Ele tinha contacto com as empresas e ajudou muito a que eu desse o salto.

Mário Freire e Luís Rouxinol à direita_DR

Para estar onde hoje está, com certeza teve de se empenhar bastante, treinar ainda mais e abdicar de outras coisas.

Às vezes, ao fim de semana, os meus amigos iam todos passear e divertir-se nas discotecas do Montijo e eu tinha de abdicar porque tinha corridas esse fim de semana. Quando queremos singrar nalguma profissão temos de abdicar de muitas coisas. Ou escolhemos ser uma coisa ou outra. Não podemos ter tudo.

Quantas vezes treinava por semana?

Normalmente durante a semana monto todos os dias. Existem cavalos que precisam de ser montados todos os dias e outros que não. Ainda hoje monto oito ou nove cavalos todos os dias. Começo de manhã e é até ao final da tarde.

“Tenho de ser eu a adaptar-me ao cavalo e não ele a mim”

E com os cavalos também é preciso ter uma relação.

Claro que sim! Temos de nos adaptar ao cavalo, eles são quase como os seres humanos, cada um tem o seu feitio. Há uns mais excitados e outros mais calmos e temos de os conhecer para poder fazer uma boa prova. Por exemplo, tenho cavalos que aguentam uma lide do princípio ao fim e temos de ter a sensibilidade de perceber quando é que o cavalo está a acusar desgaste. Tenho de ser eu a adaptar-me ao cavalo e não ele a mim.

Neste momento, tem quantos cavalos?

Tenho 22 em casa. Somos dois toureiros, eu e o meu filho por isso temos de ter uma quadra bastante vasta porque se algum dos cavalos tiver uma lesão temos de estar preparados para que nada falhe.

Em relação à sua família, quando conheceu a sua mulher ela já tinha noção do profissional que era?

Sim, ela era da minha zona. Andámos na escola desde miúdos e já sabia o que lhe estava a calhar (risos).

O Luís tem uma profissão de risco. A sua mulher não tem receio quando entra numa arena?

Sim, tem. Quando estamos ligados a uma pessoa existem sempre momentos em que tememos pela sua vida. Por acaso, não tenho sido um cavaleiro com muitos acidentes, mas já tive alguns e é normal que quem esteja mais próximo de mim sinta receio. Mas ela sempre me apoiou em tudo, tal como acompanha agora o nosso filho. Custa-lhe um bocado, mas tem de ser.

O cavaleiro tauromático nunca desistiu do seu sonho

Agora no verão existem mais corridas e o Luís passa mais tempo fora de casa, não é?

Esta é a altura em que as pessoas vão de férias para o Algarve ou para outros locais e para mim é uma altura complicada. Por acaso, este ano tirei uma semana de férias e fui à praia, o que é raro. Mas foi devido à pandemia porque os espetáculos andavam mais parados. Agora as coisas já se estão a compor e tenho mais espetáculos, o que significa que passo algum tempo fora de casa. É como disse há pouco, temos de fazer opções na vida.

“Nunca senti medo numa arena”

Nestes anos todos enquanto cavaleiro tauromáquico, houve algum momento em que temeu pela sua vida?

Nunca senti medo numa arena. É natural que nem todas as partes sejam triunfos porque há corridas que correm melhor e os touros também complicam. Por vezes, engano-me nos cavalos que escolho, penso que é bom para o touro, mas o touro também muda de características sem estarmos à espera e aí tenho de mudar de cavalo. As coisas nem sempre correm bem, se não era tudo muito fácil. E a tauromaquia de fácil não tem nada.

Tem alguma estória caricata que se tenha passado na arena?

Lembro-me de uma vez estar a tourear no Norte e já ter colocado os [ferros] compridos, ia nos curtos quando começou a chover. O piso começou a ficar enlameado e o cavalo escorregou. Sei que desmaiei e só me lembro do espetáculo até esse momento. Dizem que acordei, montei outro cavalo e acabei a lide. Não sei quantos ferros meti ou como correu a prova, mas todos dizem que correu bem. Deve ter sido o instinto que me fez continuar.

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