Ti’Amélia: A primeira mulher pescadora do Montijo com muitas histórias para contar

Ao chegarmos ao edifício da antiga Escola Conde Ferreira, que alberga o Museu do Pescador da Sociedade Cooperativa União Piscatória Aldegalense (SCUPA), a Ti’Amélia, como é carinhosamente conhecida, está sentada à porta a costurar uma bandeira, acompanhada pela filha.

Ao questionarmos o porquê de se encontrar naquele museu a Ti’Amélia responde orgulhosamente que foi a primeira mulher pescadora do Montijo. Reformou-se “há três ou quatro anos”, devido a invalidez, e atualmente é a guia do museu, local onde passa os dias.

“Sou do Norte, pertenço a Vila Real de Trás-os-Montes, sou de Favaios do Douro. Vim fazer 18 anos ao Montijo, vim para cá trabalhar e acabei por casar com um pescador. Passado pouco tempo, com 20 e poucos anos, comecei a andar no mar com o meu marido, o meu sogro, o meu cunhado e o resto do pessoal”, explica.

Apesar de ser a única mulher no meio de “cinco, seis e sete homens”, a Ti’Amélia nunca se deixou ficar e fazia tudo o que via os homens fazerem. “Quando era para saltar para irmos buscar o lanço o meu cunhado punha-se assim ‘já estás despachada?’ e eu já estava de calção e roupa vestida para ir para o mar e saltar para a lama e eles nem me viam”, conta.

Os dias passados no mar já ficaram para trás, mas a Ti’Amélia recorda as melhores histórias daquele tempo, como o dia em que apanharam “um peixe gigante”, uma corvina com 15 quilos que “foi apanhada à malha, não foi no cerco”, faz questão de realçar.

Para a Ti’Amélia o importante é não estar parada e, por isso, começou um novo passatempo, inspirada na tradição da arrematação das bandeiras nas Festas Populares de São Pedro, começou a criar bandeirinhas.

“Todos os anos nas festas há uma tradição em que é feita a arrematação das bandeiras. Antigamente eram feitas pela comunidade piscatória e eram oferecidas à SCUPA. Todos os anos as bandeiras são arrematadas no dia de São Marçal e as pessoas ficam um ano com elas em casa, depois devolvem e o processo repete-se novamente”, explica a filha.

A Ti’Amélia queria fazer uma bandeira para oferecer à SCUPA, “estava em casa e tinha lá dois bocados de tecido e por outras bandeiras fui copiando, através do olhar”. Seguiram-se muitas outras e até o marido já participa no processo. “Ele sabe coser à máquina e eu pedi para ele cortar umas com formas diferentes para distinguir das que já existem”, explica enquanto vai buscar uma bandeira com a forma de um coração que o marido tinha feito.

As bandeirinhas são personalizáveis, podendo escolher “o tecido e os seus santos de coração” e a Ti’Amélia cria a bandeira, o preço é variável consoante o tamanho. “Em dois dias não tendo mais nada que fazer faço uma”, diz.

Enquanto a Ti’Amélia vai buscar mais bandeiras para mostrar, a filha fala com orgulho da mãe. “Toda a gente aqui no Montijo a conhece, seja por ir para o mar, por estar na reforma agrária a vender ou por ser a única mulher a carregar o andor de São Pedro nas festas. Ela é mais conhecida do que o meu pai que é mesmo de cá. Temos muito orgulho nela, podiam ficar aqui a tarde toda a ouvir as histórias que ela tem para contar”.

E assim ficámos. Ouvimos histórias e conhecemos tradições pela voz da Ti’Amélia que todos os dias faz questão de abrir o Museu do Pescador e sentar-se à porta entretida com as suas bandeirinhas enquanto espera que alguém apareça.

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