Made ká: Uma arte que supera o efémero
Alexandre Henriques é designer e produtor da sua própria marca, Made Ká. Hoje damos a conhecer o encanto de algumas das suas obras, numa rubrica que evoca as profissões tradicionais do Montijo.
Num pequeno atelier que faz canto com a Rua Alves Roçadas, a magia acontece. Ali, Alexandre Henriques cria, descobre e coloca todo o seu empenho artístico em cada peça, fruto da sua imaginação. A música é o seu principal aliado, à qual não consegue resistir para entrar no modo de trabalho. As velas acesas e os desenhos espalhados na mesa, mostram que, naquela casa, existe dedicação e amor a este ofício.
Alexandre Henriques é um apaixonado por arte. Trabalha vitrais, cerâmica, madeira e artesanato e espera um dia vir a colocar o seu empenho também na pintura, tanto em aguarelas como em pinturas a óleo. É o principal protagonista deste pequeno espaço que cuida com tanto entusiasmo. No entanto, nem sempre foi nesta área que procurou vingar profissionalmente.
Formou-se em Design de Equipamentos e Interiores, na IADE – Creative University e trabalhou durante largos anos na criação de mobiliário e a remodelação de interiores. Relembra os tempos em que projetou uma discoteca de raiz, com bancos originais em selim de bicicleta e não deixa de lembrar o seu gosto por “criar espaços fluídos e agradáveis”, como foram as suas remodelações a fábricas, Caixas Agrícolas e até casas particulares. O único senão foi encontrar barreiras financeiras que não lhe permitissem vingar neste meio.
Com uma empresa fechada por falta de pagamentos dos clientes, o artista encontrou casa no Montijo e abriu o seu próprio atelier, em 2015. Enquanto freelancer e trabalhador independente, encontrou espaço para trabalhar novas paixões e foi nesse começo que redescobriu o gosto pelos vitrais e por cerâmicas.
“Desde miúdo, que sempre gostei muito de desenhar e desde pequeno que gostava de trabalhar com peças diferentes das normais. Ia buscar peças metálicas, peças de vidro e montava, colava. Andava sempre a inventar coisas novas”, relembra enquanto prende os seus olhos em algumas peças arrumadas numa estante em frente do lugar em que se senta.
Os olhos do artista brilham enquanto relata o seu gosto por trabalhar principalmente com vidros e, não consegue esconder o encanto que sente ao ver “uma bola de vidro a ser transformada numa garrafa, num jarro, em algo novo”.
A técnica que mais prende Alexandre Henriques é o “Design de Tiffany“, uma técnica utilizada em vitrais que consiste envolver todo o vidro em cobre e soldar posteriormente. Talvez já tenha contemplado estes trabalhos em vários candeeiros de vidro e é também uma maneira muito elegante de trabalhar os famosos vitrais do artista. Quanto aos temas mais trabalhados por si, enumera uma grande variedade.
“Por norma, retrato muitos temas que são para casas particulares, em nichos que os compõem, ou em jazigos. Tenho feito muitos vitrais que viajam para os Açores e os temas são sempre, normalmente, religiosos“. Temas religiosos, mas também temas mais relacionados com a cultura e património português. Estes compõem alguns dos seus principais trabalhos, que têm sido reconhecidos e divulgados “um bocadinho por todo o mundo”.
No entanto, não esconde a tristeza que sente ao entender que Portugal não reconhece tanto o seu trabalho e que, mesmo com todo o seu empenho e toda a dedicação, vingar no mundo artístico não é “uma tarefa fácil de todo”. Reconhece que é no artesanato e nas pequenas peças de cerâmica que consegue obter mais rentabilidade. São peças que transporta consigo para as pequenas feiras artesanais, mensais e anuais.
Quanto ao seu trabalho em vitrais, embora reconheça a beleza de “trabalhar o vidro”, não esconde também os custos elevados que acarreta essa arte.
“Os vitrais são obras que não são nada baratas. São peças caras por causa de todo o detalhe nelas colocado. Os vidros são todos cortados um a um, passam por duas máquinas para serem polidos nas arestas e é um trabalho sempre muito manual e que requer muito tempo a fazer. Um vitral pode levar meses a ser feito e nunca é algo barato“, destaca o designer.
Contudo, a missão do artista é demonstrar a beleza que peças em vidro poderiam ter e incorporá-las num estilo mais modernos e artístico.
“Desde os vidros coloridos aos vidros translúcidos ou até que tenham pequenos desenhos, podem fazer-se coisas realmente muito bonitas. Eu penso que o problema é não ser tão conhecido, as pessoas não têm muito conhecimento destes trabalhos e por isso também acho que não pedem tanto. Não têm de ser trabalhos clássicos, pode-se fazer trabalhos muito criativos para pequenas janelas“, realça o artista.
No dia a dia atarefado de Alexandre Henriques, “rotina” é uma palavra que desconhece. Algo que é frequente, é uma cabeça a pensar e imaginar 24 horas por dia.
“Se eu não consigo estar a trabalhar, na prática, a minha cabeça está sempre a pensar em coisas novas e ando sempre com um livro, debaixo do braço, onde vou fazendo os meus esboços e desenhos”, confessa com um largo sorriso de canto a canto.
Já perdeu a conta à quantidade de cadernos que tem acumulado desde criança com os desenhos que espera vir a realizar, mas afirma entre risos que os mantém por perto para a sua inspiração. Encontra arte em tudo o que o rodeia e mesmo nas peças com as quais menos se identifica, encontra uma missão: a de fazer diferente.
Guardanapos de café e pacotes de açúcar são também algumas das folhas improvisadas nas quais deposita a sua imaginação e se ainda restam dúvidas de todo o empenho e dedicação que coloca na sua arte, o designer afirma, sempre com entusiasmo: “Há dias em que me levanto às duas ou três da manhã para desenhar aquilo que quero fazer no dia seguinte, só para não me esquecer”.
Carrega sempre o sonho de criar peças ao agrado das pessoas e confessa o prazer que sente quando oferece algo que mais do que apreciar, “gostem de ter nos seus meios e gostem de expor”. Quando sonha sobre o seu futuro, o artista destaca o seu desejo de conseguir adquirir um novo espaço, algo que lhe permitisse “ter um espaço de venda das minhas peças, de peças de outros artistas e também um espaço simultaneamente para trabalhar”.