“Uma Terra sem História?” — Um apanhado do Montijo Medieval e Moderno (sécs. XII — XVII)

A cidade do Montijo sempre foi uma cidade satélite e importante ao longo dos tempos.

Hoje, o Montijo é, sem dúvida, considerado uma cidade-satélite da Grande Capital, isto é, como um acampamento adjacente a um festival de verão, ou seja, algo que é extremamente útil e fulcral ao funcionamento do mesmo, mas que serve apenas para descansar e cada segundo passado a mais junto à tenda, é um segundo perdido das atrações principais do Festival. Ainda, não se livra da conotação provisória e utilitária de todos (ou quase todos) aqueles que por cá dormem. Contudo, não nos deixemos enganar. Tal como todos os povoamentos deste nosso país, a sua edificação não surgiu da noite para o dia, nem dependeu de apenas um grupo de pessoas ou de uma geração que orquestraram um terreno para se colocarem tendas ou que colocaram umas barras com umas setas indicando os caminhos.
Na verdade, o Montijo (Aldeia Galega), possui uma História interessantíssima, cujos episódios principais, acompanham de mãos dadas a História de Portugal e as respetivas alterações e revoluções, retrocessos e evoluções que a pautam.

Começando bem pelo princípio, evoquemos a fortificação antiquíssima que nos olha ao longe, o Castelo de Palmela, ícone da Reconquista Ibérica, definitivamente conquistada para Portugal em 1165, que permitiu as primeiras ordenações territoriais a Sul do Tejo, onde precisamente se encontra o Montijo.

Então, apenas 20 anos depois, no ano de 1186, D. Sancho I entregou a D. Paio Peres os coutos e herdades junto ao rio Tejo, inserido no plano da criação da crucial conexão entre a monarquia e as ordens religiosas, que tanto impactam a nossa identidade coletiva (nomeadamente, a vertente Católica). Esta concessão reflete a relação estreita entre a realeza e a Igreja na Idade Média, onde os monarcas, como técnica de ordenamento territorial, frequentemente concediam terras e privilégios às ordens religiosas em troca de apoio espiritual e político.

O início do povoamento dos coutos em 1210 representa um passo importante no desenvolvimento da região. À medida que as terras eram povoadas, surgiram comunidades locais que desempenharam um papel fundamental na formação da identidade e cultura da Aldeia Galega. Como sabemos, o estudo da Idade Média por vezes pode ser difícil devido ao que os historiadores chamam “o silêncio das fontes”, pois simplesmente não existem fontes ou registos pelos quais nos possamos guiar, criando saltos temporais, como é o seguinte.

Em 1385, com o fim da Guerra do Interregno, veio a confirmação dos privilégios dados, por D. João I, noutro exercício de administração territorial que procurava o estabelecimento e a legitimidade da dinastia de Avis na nossa região. Este período foi marcado por uma crescente centralização do poder real e pela consolidação da monarquia em Portugal.

Já em Alta Idade Média, outra das personagens principais da História de Portugal, a sofrente Rainha Isabel de Portugal, entra também no elenco da História do Montijo. A carta régia de 1445 que afetou as terras de Aldeia Galega à rainha D. Isabel de Portugal, esposa de D. Afonso V, teve um impacto enorme na vida dos ribatejanos, sendo que a Rainha desempenhou um papel ativo na gestão de terras e propriedades ao redor de Lisboa, influenciando as dinâmicas da região, enquanto o marido, de cognome “Africano” combatia no norte de África conquistando novos portos para o país.

A transição para a Idade Moderna é também sentida administrativamente na Aldeia Galega do Ribatejo. A concessão de carta de foral à Aldeia Galega por D. Manuel I em 1514 e a subsequente concessão de novo foral em conjunto com Alcochete em 1515 refletem a importância da região como um centro administrativo e comercial, que já serviria de entreposto entre o litoral da região da capital, e o centro Ribatejano e do Alto Alentejo. A transformação de Aldeia Galega na sede principal da Posta Sul em 1533 teve implicações significativas no desenvolvimento da região. A Aldeia Galega tornou-se um ponto de passagem vital para o comércio e a comunicação entre Lisboa e o sul, incluindo Espanha. Isso impulsionou a economia local e reforçou a sua importância estratégica e ainda, reforçou traços da cultura espanhola na região, como é exemplo a tauromaquia, que até ao dia de hoje ainda se encontra bem presente na nossa identidade coletiva. Esta ligação a Espanha foi duplamente reforçada noutro período muito conhecido da História de Portugal, o período Filipino, em que Portugal e Espanha eram, na teoria homónimos, aumentando significativamente as mercadorias e as gentes que por esta “estrada” passavam.

Também no desfecho deste período e no ressurgimento do próximo, a Aldea Galega teve um papel preponderante, tendo alojado, a 5 de dezembro de 1640, em plena Crise da Restauração, o 1.º Conselho de Guerra de Portugal, quando D. João IV (outra personagem principal), ainda se dirigia de Vila Viçosa a Lisboa, no seguimento da Revolução, marcando o início oficial da Guerra da Restauração, que duraria uns penosos 28 anos. O teatro principal desta Guerra foi a fronteira alentejana, pelo que se presume que a Aldeia Galega terá novamente assumido um papel logístico na organização militar portuguesa, entre a capital e o teatro de operações da Guerra da Restauração, considerada por muitos historiadores como uma das mais importantes da História de Portugal.

Só até aqui, podemos concluir que, ao contrário do que muitos pensam, o Montijo tem também um papel ativo na História de Portugal e na formulação da identidade portuguesa, apesar de atualmente ser frequentemente visto como uma cidade-satélite de Lisboa, com um papel aparentemente temporário e funcional para os seus habitantes. No entanto, a sua história está profundamente ligada à de Portugal. Desde a Idade Média até a transição para a Idade Moderna, o Montijo desempenhou papéis fundamentais na Reconquista Ibérica, na centralização do poder real, na relação entre a monarquia e a Igreja e no desenvolvimento económico. Também testemunhou eventos significativos durante a Crise da Restauração, desempenhando um papel crucial na restauração da independência de Portugal após o período da dinastia Filipina. Assim, a história do Montijo é uma parte vital da história de Portugal e continua a influenciar a identidade da cidade e do país.

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