Relatos com História: Cirurgião de exército inglês apaixona-se na Aldeia Galega

A literatura anglo-saxónica é fértil em relatos de guerra peninsular. A localização estratégica de Aldeia Galega como início da Posta do Sul e local da travessia do Tejo para a grande metrópole, obriga a que em grande parte destes relatos, quase sempre auto biográficos, existam referências à vila.

Em muitos dos relatos as referências limitam-se a uma descrição generalista da paisagem e da estrada que, dos Pegões conduzia a Aldeia Galega. Extensos areais com bosques de pinheiro-manso e vegetação rasteira, a charneca. Sobre a vila as referências são mais escassas, no entanto, algumas obras contêm descrições, ainda que breves.

“Events of a Military Life” é uma dessas obras.
Editada em Londres, em 1843, narra na primeira pessoa o percurso militar de Walter Henry, cirurgião do exército britânico. Nascido na Irlanda, em 1791, no seio de uma respeitável família, foi um ávido leitor, tendo recebido uma educação clássica. Estudou medicina no Trinity College na Universidade de Glasgow.

Em Novembro de 1811, depois de uma estadia de quatro meses em Lisboa, Walter Henry é destacado para Aldeia Galega, onde um forte levantamento de fuzileiros da marinha de guerra britânica se encontrava aquartelado. O aquartelamento de tropas na Aldeia Galega era uma situação que colocava muitos constrangimentos. Exemplo disso é uma carta do Mestre de Posta da Aldeia Galega, Silvério José Lopes, datada de 19 de Fevereiro de 1809 e dirigida ao Diretor dos Correios do Reino, José Bar – queixando-se da má vontade do Juiz-de-Fora daquela villa que não faz senão aboletar em sua caza qualquer oficial ou tropa que por ali passe, dispensando disso outros moradores por quem deveria repartir.

Instalado em Aldeia Galega, na melhor casa da vila, o jovem oficial Walter Henry em breve verá o contingente de tropas baixo sob sua autoridade. Encontra-se assim sem nada que fazer – o autor narra nas suas memórias as circunstâncias do seu enamoramento pela filha do seu hospedeiro. No entanto, o jovem oficial terá de enfrentar o terrível obstáculo que constitui a tia solteira da formosa Teodora. Um obstáculo que Walter Henry não conseguirá ultrapassar. O caso irá conduzir a um braço de ferro com o Juiz-de-Fora da Aldeia Galega que, alertado pela família da jovem, tenta despejar o oficial da residência. Algum tempo depois, cansado da mordomia da margem esquerda do Tejo pede para ser colocado em Campo de Ourique, num convento convertido em hospital. Sobre o tempo que passou na Aldeia Galega relata:

«É verdade que quando em Aldeia Galega, estudara arduamente português; que tenha galopado através dos caminhos de areia e pelas florestas de sobreiros por toda a região, que tenha deambulado por entre as vinhas, e tenha conversado com os camponeses, e que os tenha ajudado a podar as suas videiras, tanto quanto um canivete conseguiria, e que tenha mantido um diário, e que tenha criado afectos – mesmo assim, isolado como ali estava, o tempo moveu-se com sandálias de chumbo. A experiência da minha vida, como de todas as pessoas racionais, prova que o preguiçoso Sibarita que primeiro exclamou “dolce cosa far niente” contou uma mentira prodigiosa.»

Fonte: Martins, Eduardo. Estórias com História, Montijo Hoje – Edição Especial, 2020.

Walter Henry (1791-1860)

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