Gripe espanhola no Montijo: “A mãe de todas as epidemias”
Descubra de que forma a epidemia mais mortífera de sempre afetou o concelho do Montijo, antiga Aldeia Galega.
Durante os últimos meses da Primeira Guerra Mundial, a Gripe Espanhola causou uma epidemia sem precedentes, sendo descrita como a doença mais letal do século XX, que atingiu com violência a população mundial, tendo matado indiscriminadamente. Estima-se que a pandemia matou cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo. Até à data, a Gripe Espanhola continua a ser a mais mortífera, tendo matado, estimativamente, entre 1% a 3% da população mundial.
Em 1918, algo invisível invadia o mundo. Alguns Historiadores acreditam que o fim da Primeira Grande Guerra, poderá ter provocado o contágio do vírus. Os soldados que enfrentavam a guerra, encontravam-se subnutridos e a viver em más condições, o que pode ter resultado no enfraquecimento do sistema imunitário, abrindo uma porta para o vírus considerado entrar.
O primeiro paciente terá sido o soldado Albert Gitchel, nas semanas seguintes mais de 1100 soldados do mesmo local foram internados com os mesmos sintomas de gripe. Quando a guerra acabou, os soldados regressavam às suas casas e não iam sozinhos. Com eles, levavam também o vírus que os havia deixado doentes. Assim, invisível, o vírus entrou em vilas, aldeias e cidades, tendo afetado muitas pessoas. Muitos dos que foram infetados não sobreviveram.
Os sintomas da Gripe eram: dor de cabeça, cansaço, tosse seca e cortante, perda de apetite, problemas no estômago e, no segundo dia, suor excessivo. Com a evolução, a Gripe podia afetar os órgãos respiratórios, podendo evoluir para uma pneumonia.
Com a evolução rápida da Gripe, os médicos não sabiam o que recomendar às pessoas. Mas já em 1918, os médicos recomendavam o distanciamento social, e evitar locais muito movimentados. Os remédios passavam por ingerir canela, beber vinho ou beber o caldo da carde do Oxo. Nesta altura, os médicos aconselhavam também a manter a boca e nariz tapados em público. A utilização da aspirina foi desaconselhada, no entanto, estima-se que o medicamento pudesse ter ajudado os infetados.
Gripe Espanhola no Montijo
A investigadora Maria Manuela Ventura, que escreveu sobre a Gripe Espanhola no Montijo afirma que até julho de 1918 não se fazia referência à pandemia no Montijo. No entanto, noticiava-se sobre a falta de alimentos e higiene.
No dia 7 de julho de 1918 surgiu a primeira notícia sobre a epidemia, com ligeireza. O jornalista referiu-se à doença como ligeira e incomodativa, mas não era algo com que a população se devesse preocupar. Terminou a notícia, que se encontrava na secção “Comentários e Noticias”, da seguinte forma “Toda a gente adquiriu o hábito de dizer que A ou B está com a espanhola isto quando se dá o caso dos esposos se distanciarem e ela é ciumenta e de cabeli-nho na venta é o diabo, a confusão provoca escândalos. E depois… elas têm tanto salero”.
No dia 20 de setembro de 1918, no Jornal O Domingo, alerta-se que a Gripe Espanhola se tem desenvolvido de forma assustadora, provocando mortes na antiga vila Aldeia Galega. Destaca-se a falta de higiene e o facto de não haver um hospital. Os doentes eram tantos que a farmácia foi transformada num hospital. Na notícia, recomendava-se que não existissem apertos de mão e mãos, de forma a evitar a propagação da epidemia.
A autora da investigação presume que o Montijo não tenha sofrido muito durante a primeira vaga da epidemia.
Só a partir do fim de Outubro de 2018 é que as notícias ganham um caráter preocupante
Um correspondente do jornal A Razão refere “A epidemia atual, trouxe a dor, o luto e o desalento a toda a parte, poucos eram os que trabalhavam, as sementeiras estavam a um terço do habitual, o preço dos géneros alimentícios e outros artigos disparavam. O pânico que se apoderou desta pobre gente é indescritível. O leitor não pode calcular o terror que por aqui vai. Meia dúzia de pessoas conseguiram escapar que a pneumónica lhes batesse à porta”.
A autora da investigação refere que o Livro de Entrada e Saída de Doentes do Hospital da Misericórdia de Canha, prova o embate da pandemia na sociedade montijense, sendo que em Canha registaram-se valores mais elevados, mas no geral o Montijo não foi o concelho mais afetado pela Gripe.
“Em 1916, deram entrada no hospital 80 doentes; em 1917, o número desceu para 46; em 1918, chegou aos 113 doentes; rondando 62 e 80 entra- das, nos anos de 1919 e 1920, respetivamente. Verificamos que o número de internamentos foi bem mais significativo durante o ano de 1918, sobretudo de homens. As admissões de doentes, em 1918, concentraram-se em outubro e novembro, com a de entrada 50 doentes. Foram diagnosticados com gripe 43 pacientes e, destes, 20 vieram a falecer no hospital.”
Relativamente ao óbitos causados pela Pandemia, a historiadora Maria Manuela explica “O Estatística do Movimento Fisiológico da População Portuguesa, em 1918, refere para o concelho de Aldeia Galega os seguintes óbitos causados pela gripe: 109 homens e 83 mulheres, correspondendo a 35% do total dos óbitos. Acreditando-se nas informações dos jornais, em Canha teriam falecido 98 indivíduos. Questiona-se: os restantes 94 falecimentos não mereceram praticamente tratamento jornalístico? Admite-se que o impacto das mortes em Canha, zona predominantemente rural, seja proporcionalmente muito maior, considerando o número de residentes. Segundo o Censo de 1911, o concelho tinha 11.167 habitantes, distribuindo-se da seguinte forma: 1.093 habitantes em Canha; 8.460 em Aldeia Galega e 1.616 em Sarilhos Grandes. A análise futura do registo civil dos óbitos ocorridos em 1918 poderá clarificar as diferenças descritas.
A pandemia da Gripe Espanhola foi considerada uma das piores da História, sendo a Mãe das Pandemias. No Montijo, a gripe surgiu meses mais tarde e não foi tão violenta. Podemos encontrar algumas semelhanças entre a pandemia de 1918 e a que vivemos atualmente de COVID-19, como os seus sintomas e até as medidas preventivas como o distanciamento social e colocar algo que cubra a boca e o nariz.