Rua Maria Lamas: Uma escrita pelo direito das mulheres
A Rua Maria Lamas, situada no Montijo, faz homenagem a uma figura importante e notável da história portuguesa, uma escritora, jornalista, tradutora e conhecida ativista política feminina.
Primeiros anos de vida
Maria da Conceição Vassalo e Silva da Cunha Lamas nasceu a 6 de outubro de 1893, em Torres Novas. Filha de Maria da Conceição Vassalo e Silva e de Manuel Caetano da Silva, ambos oriundos de famílias burguesas, viveu a sua infância marcada por valores católicos e devotos, mas também por valores fortemente enraizados na maçonaria e no republicanismo.
Era irmã mais velha de Manuel António Vassalo e Silva, último governador da Índia Portuguesa, e prima das escritoras Alice Vieira e Maria Lúcia Vassalo Namorado. Os seus primeiros anos de vida foram bastante pacatos. Frequentou a escola primária do Conde Ferreira e terminou os seus estudos em regime de internato, no colégio das Teresianas.
Com apenas 17 anos, em março de 1911, casou-se com o seu primeiro marido, Teófilo José Pignolet Ribeiro da Fonseca, um republicano e oficial da Escola Prática de Cavalaria de Torres Novas, e nesse mesmo ano engravidou da sua primeira filha, Maria Emília. Sem hesitar, acompanhou o seu marido em missão para um presidiário militar situado em Campelango, Angola.
No entanto, pouco tempo depois de lá estar, começou a vivenciar uma relação atribulada e decidiu regressar em 1913 para Lisboa, grávida da sua segunda filha, Maria Manuela. Foi duramente criticada por procurar o divórcio e a tutela total das suas filhas, numa sociedade conservadora e tradicionalista. Com o avançar da Primeira Guerra Mundial, Maria Lamas foi obrigada a encontrar uma fonte de rendimento e sustento para a sua família e começou a trabalhar como jornalista na Agência Americana de Notícias.
Anos 20
Trabalhou em jornais como o Correio da Manhã e A Época, tornando-se assim uma das primeiras mulheres jornalistas profissionais em Portugal. Em 1920, torna a casar, desta vez com um jornalista e apoiante monárquico, Alfredo da Cunha Lamas. Desse casamento nascera a sua terceira filha, Maria Cândida, contudo, devido a diferenças ideológicas, Maria Lamas tornara a separar-se em 1936, embora tenha ficado sempre com o apelido Lamas.
Maria Lamas escreveu também para jornais como O Século, A Capital, A Voz, Diário de Lisboa e publicou também muitos poemas (de entre eles “Os Humildes” em 1923), muitas crónicas, novelas e romances (dos quais se destacam “Caminho Luminoso“, 1927; “Para Além do Amor“, 1935; “Ilha Verde“, 1938), mas também contos para crianças e adolescentes e contos para mulheres, vinculando o seu carácter político e desejo de emancipação feminina.
Em 1928 começou também a dirigir o suplemento “Modas & Bordados” do jornal O Século, no qual procurou debater sobre o papel e os direitos da mulher numa sociedade mediante os padrões tradicionais e conservadores. Debatia sobre a felicidade, a luta pela emancipação feminina, associando-se ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, presidido pela ativista Adelaide Cabete.
Anos 30 e 40
Em 1930, criou a “Exposição da Obra Feminina, antiga e moderna de carácter literário, artístico e científico“, que procurava dar visibilidade a trabalhos desenvolvidos pelas mulheres portuguesas de norte a sul do país, numa iniciativa que durou dois meses e teve uma forte afluência e atenção mediática. Em 1934, foi agraciada com o grau de Oficial da Ordem de Santiago da Espada, pelo seu trabalho desenvolvido em prol dos direitos da mulher.
Organizou vários comícios feministas, mas foi sempre duramente criticada e considerada como “nefasta para o movimento feminista político português” por considerarem o seu discurso altamente politizado, não dando espaço para a troca de opiniões contrárias à sua. Inscreveu-se também na Associação Feminina para a Paz e tornou-se mesmo presidente da Direção do Conselho Nacional de Mulheres Portuguesas em 1945.
Em pleno Estado Novo, Maria Lamas organizou uma das suas principais obras literárias “As mulheres do meu país” (1947-1950), a primeira reportagem sobre as condições de vida das mulheres portuguesas. No entanto, foi considerada como sensacionalista, por muitas mulheres não se reverem na sua leitura. A obra foi mesmo proibida pelo governo, cessando a sua existência.
Anos 50 e 60
Desenvolveu, ao longo dos anos 50, uma intensa atividade propagandística e ativista contra o Estado Novo, integrando o Conselho Mundial da Paz e a oposição democrática através da integração da Comissão Central do Movimento Nacional Democrático. Participou sempre em congressos mundiais da paz e direitos das mulheres, apelando aos outros países que apoiassem as mulheres portuguesas em sofrimento numa ditadura nacional.
Em 1962, cansada de ser perseguida pela polícia, refugiou-se em Paris, vivendo como exilada política. Em conjunto com a escritora Marguerite Youcenar, desenvolveu campanhas e apoios aos refugiados portugueses, regressando apenas a Portugal em 1969.
Pós 25 de abril de 1974
Após a Revolução de 25 de abril em 1974, Maria Lamas foi agraciada com os seus 80 anos e homenageada pelo intenso trabalho desenvolvido. Tornou-se dirigente do Comité Português para a Paz e Cooperação, diretora honorária da revista “Modas & Bordados”, presidente de honra do Movimento Democrático de Mulheres. Recebeu ainda a Ordem da Liberdade, pelo presidente Ramalho Eanes (1980) e foi ainda homenageada pela Assembleia da República em 1982.
Veio a falecer em 1983, com 90 anos, sendo vítima de uma paragem cardíaca em Lisboa, deixando uma nota para a família, dizendo “Com o coração cheio de amor eu queria apenas dizer que vos amo muito e agradecer-vos tudo quanto vos devo“.